Eram apenas os dois. O Arquimago e seu Aprendiz.
Nos últimos quatro ciclos, iniciados quando a criança completou seu oitavo inverno, eles viajaram pelo mundo de Traumgart. Nesse tempo, passaram por todo tipo de vilarejos e conheceram todo tipo de humanos e não humanos.
Aprenderam como ouvir a natureza e seus habitantes com elfos que viviam em árvores e fadas que se abrigavam em flores. Se encontraram com anões em seus lares subterrâneos, seguros contra a luz do sol que os transformaria em pedra, e ouviram as canções das sereias sobre os oceanos de Traumgart e as lágrimas dos deuses que lhe deram vida.
Nos últimos meses, desde quando o Aprendiz completara seu décimo segundo inverno, eles têm explorado o país de Yeraz. Depois de uma longa caminhada, decidiram por descansar ao tronco de uma árvore retorcida. Ao longe, no horizonte cortado pela cadeia de montanhas Garras Brancas, eles podiam ver as Luas Gêmeas serem tingidas de vermelho pelo Sol poente.
— Mestre — perguntou o Aprendiz pelo o que lhe parecia ser a milésima vez desde que começaram a jornada. — Quando irá me dizer para onde vamos?
— Já lhe disse, criança — murmurou o Arquimago, apoiando-se em seu cajado. — O que importa não é o destino, e sim a viagem até ele.
O Aprendiz bufou, impaciente. O Arquimago o fitou com seus olhos cansados, pensando em uma forma de fazer a criança entender. Após meditar um pouco, e analisar bem o ponto que escolheram para descansar, indicou os galhos de uma árvore, tingidos de rubi pelas Flores de Fogo.
— Veja essas flores — ele disse. — Uma árvore não sabe quando, ou se irá tê-las. A natureza faz seu trabalho, sem nunca tentar apressar o resultado. Quando a árvore florir, florirá. Quando cair, cairá. Espera, cresce, cai, e cresce de novo, até que tenhamos nossos bosques e floresta.
— Mas não somos árvores, mestre — protestou a criança com um gesto brusco que fez algumas fadas desavisadas saírem de seus esconderijos em alerta. — Somos humanos! Se não soubermos para onde vamos, corremos o risco de nos perder.
— Tem um bom ponto — riu o Arquimago. — Mas entenda. Não me refiro a seguir sem saber o rumo e aceitar tudo o que lhe vier. A árvore sabe que precisa ter seus frutos, mas não sabe quando ou se os terá. Para isso, ela trabalha para crescer, e aprende no processo que suas raízes precisam estar fundas no solo para não ser levada pelo vento, ou que as vezes precisa trocar galhos e folhas fracos para que outros, mais fortes, cresçam. Mesmo sem compreender de imediato qual seria seu resultado, ela continua lutando e seguindo em frente.
O Aprendiz encarou a árvore, suas flores que logo se tornariam frutos recheados de sementes. Sentiu o roçar das asas de uma curiosa fada contra sua orelha e perdeu sua linha de raciocínio, seja lá qual fosse.
— Continuo sem entender, mestre.
O Arquimago olhou para o horizonte, procurando por inspiração para conseguir fazer seu Aprendiz entender aquilo que dizia. Olhou para o pico das Garras Brancas, reluzentes com a neve branca que refletia os últimos raios de sol, e observou a cidade que se estendia ao sopé de uma das montanhas.
— Está vendo aquela cidade, criança? — disse, indicando com a ponta de seu cajado. — Aquela, ao sopé da montanha.
— Sim, mestre.
— Fale-me sobre ela.
O Aprendiz franziu o cenho para o seu mestre, confuso com aquela pergunta aparentemente tão tola.
— É Enderim, capital de Yeraz — o garoto recitou, ainda sem entender o objetivo daquilo. Aquele era um conhecimento comum, por que estava sendo questionado sobre aquilo? — Uma das cidades mais prósperas de Traumgart.
O Arquimago assentiu, confirmando as informações dadas por seu aprendiz.
— Um dia, muitas eras atrás, Enderim era apenas uma fazenda ao sopé da montanha. Depois foram duas, três, quatro... Depois de séculos de trabalho, se tornou essa capital que hoje conhecemos. Você acha que aquele primeiro fazendeiro sabia que isso aconteceria?
O Aprendiz abaixou a cabeça, encarando os próprios pés enquanto refletia sobre aquelas palavras. Após perceber que aquela não era uma pergunta retórica e que seu mestre realmente esperava uma resposta, deu de ombros.
— Acho que não — murmurou, depois de muito refletir.
— Claro que não — assentiu o Arquimago. — Todo mundo trabalhou duro, e tudo ocorreu em seu devido tempo.
— E por que estamos aqui, mestre?
O Arquimago olhou para o menino e sorriu. O pôr do Sol tingiu de vermelho e dourado sua barba e cabelo brancos, e o Aprendiz poderia jurar que ele estava reluzindo.
— Porque é lá que você encontrará o seu destino.
Por ora, o Aprendiz desistiu de entender.
Nenhum comentário:
Postar um comentário